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“Os cartórios são muito importantes para a desjudicialização e desburocratização dos serviços”
31 DE MARçO DE 2023


Advogados da Gussem Saad Consultoria Empresarial concederam entrevista à Anoreg/RS para falar sobre a aplicação e o impacto da LGPD nos serviços notariais e registrais

Em entrevista especial à Associação dos Notários e Registradores do Estado do Rio Grande do Sul (Anoreg/RS), os advogados Eduardo Gussem, Sofia Martinelli e Matheus de Alencar, da Gussem Saad Consultoria Empresarial, falaram sobre a aplicação e o impacto da LGPD nos serviços notariais e registrais.

José Eduardo Ciotola Gussem é sócio administrador da Gussem Saad Consultoria Empresarial, atuando como consultor especializado em compliance e novos negócios.

Matheus de Alencar e Miranda é advogado criminalista, atuando como consultor especializado em direito e novas tecnologias, legal designer e product owner de desenvolvimento de soluções jurídicas.

Sofia Bertolini Martinelli é consultora especializada nas áreas Compliance e Proteção de Dados, doutora em Direito Penal, Medicina Forense e Criminologia pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (FD-USP).

Leia a entrevista completa:

Anoreg/RS – Para os cartórios, o que muda com a lei de proteção de dados? Como a LGPD impacta os cartórios notariais e de registro e qual a importância de as serventias se adequarem à LGPD?

Os cartórios são um grande banco público de dados. Muitos deles lidam com dados pessoais, que, em princípio, podem ser consultados mediante simples solicitação de certidão e pagamento das custas correspondentes. Com a Lei Geral de Proteção de Dados pessoais (Lei 13.709/2018), os cuidados com esse grande banco de informações devem ser redobrados em alguns sentidos. Naturalmente, a segurança dos sistemas operacionais e o controle sobre os dados que neles são tratados se tornam não apenas uma prioridade a nível operacional, mas também em termos jurídicos. Garantir que não haja vazamento ou uso indevido de dados pessoais é de suma importância.

E, sobre esse ponto, quando falamos de dados pessoais, é muito comum que as pessoas se remetam automaticamente às informações que compõem o acervo público. Afinal, é imensa a quantidade de dados pessoais tratada por cada um dos notários e registradores brasileiros. Nem é preciso dizer que, basicamente, desde o nascimento até a morte das pessoas, os cartórios tratam informações pessoais como filiação, parentalidade e questões patrimoniais relevantes. Contudo, é importante ter em mente que não apenas os dados que são objeto de serviços notariais estão acobertados pela legislação, mas também as informações de funcionários, fornecedores e parceiros comerciais que sejam pessoas físicas. Esses dados não podem ser esquecidos e devem ser tratados com as devidas diligências. Alguns exemplos: dados de pagamentos, demissões e admissões, banco de talentos, tratamento de currículos recebidos para entrevistas, representantes de empresas parceiras, dados de viagens concedidas como bonificação para colaboradores, pesquisa entre colaboradores, avaliações de desempenho, dentre outros. É importante que todos esses dados pessoais sejam tratados com os cuidados previstos pela lei.

Com relação à prestação dos serviços notariais em si, a LGPD não deixa quaisquer dúvidas quanto à sua aplicabilidade às serventias. Seu artigo 23, §4º é expresso sobre ao tema ao equipará-las aos órgãos públicos para fins de aplicação da lei quando estiverem desenvolvendo sua atividade pública. Nesse sentido, portanto, deve haver uma verdadeira mudança de mentalidade dos escrivães, pois, agora, também os atos públicos devem ser realizados com base, por exemplo, no princípio da necessidade do tratamento de dados pessoais. Essa ponderação quanto ao uso dos dados pessoais mínimos para que seja alcançada a finalidade do ato no momento de sua celebração não era uma preocupação até a LGPD.

Anoreg/RS – Quais tipos de medidas notários e registradores devem adotar de acordo com a LGPD?

Por força do art. 23 da LGPD, os cartórios devem adotar todas as mesmas medidas que os órgãos públicos, o que inclui ter um Encarregado de dados pessoais (DPO) designado, respeitar as limitações de tratamento de dados da lei, tomar as medidas de adequação e governança de dados, dentre outras. É importante enfatizar a importância de seguir essas regras, uma vez que os processos sancionatórios da ANPD têm se concentrado majoritariamente no descumprimento dessas medidas por órgãos públicos. Além disso, o disposto no §5º do art. 23 ainda traz uma obrigação específica dos cartórios (“Os órgãos notariais e de registro devem fornecer acesso aos dados por meio eletrônico para a administração pública”).

Importante notar que, além das medidas previstas pela LGPD, os cartórios ainda contam com regulamentação específica do órgão fiscalizador. Nesse sentido, o CNJ tem se mostrado bastante engajado em relação à proteção de dados pessoais. Inclusive, o Conselho tem realizado eventos específicos sobre a adequação dos cartórios, o que demonstra que o órgão está alerta em relação ao tema, e já editou norma específica sobre proteção de dados aplicável às serventias. Trata-se do Provimento n. 134/2022, que detalha parte das obrigações originalmente previstas pela LGPD (como é o caso do inventário de dados pessoais), mas também contempla regras novas, que já delimitam, por exemplo, alguns dos conflitos entre os princípios da publicidade e da privacidade, funcionando como um juízo a priori quanto à necessidade do tratamento de dados para a expedição de certidões. Qualquer programa de compliance em proteção de dados para cartórios, hoje, deve ser norteado pelo Provimento n. 134/2022 e qualquer serventia que pretenda adotar as melhores práticas em proteção de dados deve estar alinhada à norma.

Ainda quanto ao tema, cumpre sinalizar que, como as medidas de adequação são várias, é importante que os notários e registradores busquem pessoal especializado para auxiliar no processo. A versão preliminar do Provimento n. 134 inclusive obrigava a presença de uma equipe multidisciplinar para os cartórios maiores, composta por Encarregado, especialista em tecnologia da informação (TI), especialista em segurança da informação (SI) e especialista jurídico. Em que pese ter sido positiva a revogação desse dispositivo (não há necessidade de obrigar a presença dessa equipe, basta ter as funções bem atendidas conforme a necessidade de cada cartório), ainda assim é importante que essas funções (Encarregado, TI, SI e consultor jurídico especializado) estejam bem preenchidas para garantir o melhor projeto de adequação possível. Por fim, também se aconselha que a equipe seja especializada, pois muitos profissionais de outras áreas “adaptados” a essas funções costumam enfrentar dificuldades ou até mesmo cometer erros evitáveis pela falta de especialização e experiência, apesar das boas intenções, proatividade e grande competência em sua área específica de atuação de rotina.

Anoreg/RS – Qual a importância da atividade notarial e registral no processo de
desjudicialização e desburocratização dos serviços e como avaliam a atual prestação de serviços extrajudiciais?

Os cartórios são muito importantes para a desjudicialização e desburocratização dos serviços, porque, com a fé-pública dos notários e registradores consolidadas nos documentos, há segurança jurídica entre as diversas partes e diminuição dos custos de seguro. Com a validação dos cartórios, as pessoas terminam por saber que um instrumento/documento é válido e será reconhecido como tal pelo Judiciário ou por qualquer juízo de resolução alternativa de conflitos (mediação, conciliação, arbitragem) em caso de disputa. Isso evita disputas desnecessárias (porque as partes já sabem o resultado de antemão) e evita que as pessoas tenham que pagar por seguros para garantir a efetivação de negócios, uma vez que a segurança é justamente o que os serviços cartoriais prestam.

Desse modo, é possível observar que os serviços notariais e registrais existem justamente para criar efeitos de desencorajar a judicialização (desjudicialização) e de acelerar a realização dos negócios por meio da evitação de processos de avaliação e contratação de seguros, dentre outros, como o próprio arrastar de disputas no Judiciário, que impedem a realização rápida das operações (desburocratização).

Com relação à atual prestação dos serviços extrajudiciais, a ampliação gradativa do rol de serviços que podem ser prestados pelos cartórios, acompanhada de uma evolução tecnológica dos sistemas notariais, espera-se uma tendência de que as serventias se tornem prestadores de serviços cada vez mais ágeis, em termo de satisfação do cliente, e efetivos, no que tange à garantia da segurança jurídica.

A novidade talvez mais recente é a possibilidade de renovação da carteira de habilitação junto aos cartórios, uma medida que reduz a demanda nos Detrans e amplia, para a população, a quantidade de possíveis agentes capazes de atendê-la. Diga-se o mesmo acerca dos locais em que os cartórios podem emitir carteiras de identidade e comunicar transferências veiculares, criando mais facilidades aos cidadãos. Outro exemplo é a realização de atos digitais, que foi impulsionada pela pandemia e hoje se tornou uma prática recorrente e difundida, gerando maior eficiência para os serviços que já eram prestados pelos cartórios. Muitos clientes ficam muito satisfeitos de não precisarem se deslocar até os cartórios para realizar os atos. Serviço menos recente, mas não menos importante, a realização do inventário extrajudicial é, provavelmente, o maior exemplo de desjudicialização e desburocratização dos serviços e, atrelada ao uso crescente de tecnologias de informação, facilita ainda mais a prestação dos serviços à população.

Fonte: Assessoria de Comunicação – Anoreg/RS

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