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Artigo: Perigosa discussão contra a concessão de crédito na aquisição de bens móveis
04 DE MAIO DE 2022
Em julgamento sob o rito dos recursos repetitivos (Código de Processo Civil, artigo 1.036), a 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça definirá se, “para a comprovação da mora nos contratos garantidos por alienação fiduciária, é suficiente, ou não, o envio de notificação extrajudicial ao endereço do devedor indicado no instrumento contratual, dispensando-se, por conseguinte, que a assinatura do aviso de recebimento seja do próprio destinatário”. Foram selecionados dois recursos como representativos da controvérsia, cadastrada como Tema 1.132: os Recursos Especiais 1.951.888 e 1.951.662. A relatoria é do ministro Marco Buzzi.
O tema afetado envolve a comprovação da mora para a execução de crédito decorrente de alienação fiduciária, na forma prevista pelo Decreto-Lei nº 911/69. A alienação fiduciária é garantia em direito real, pela qual o devedor, ao tomar o crédito perante o seu credor, dá a este a propriedade resolúvel do bem. Diz-se resolúvel porquanto, uma vez quitado mútuo, a propriedade volta a ser plena do devedor fiduciante. Trata-se de garantia, no tocante a bens móveis, que deu maior efetividade sobretudo ao mercado de financiamento de veículo automotor, uma vez que tende a mitigar o risco de desfalque para a concedente de crédito.
Já o recurso repetitivo, uma vez que julgado, estabelece a tese que obrigatoriamente há de ser seguida pelos magistrados quando em julgamento matéria de idêntica questão de direito (CPC, artigo 1.036). O objetivo é assegurar maior segurança jurídica, na medida em que evita decisões divergentes sobre uma mesma matéria.
Pois bem. A controvérsia colocada em grau de recurso repetitivo tem origem em ações de busca e apreensão que tiveram a petição inicial indeferida sob o fundamento de que não haviam sido cumpridos os requisitos para a concessão da medida, especificamente quanto à falta de comprovação da assinatura do devedor na notificação para a sua constituição em mora.
Segundo levantamento realizado pela Comissão Gestora de Precedentes e de Ações Coletivas, a controvérsia está presente em 229 acórdãos e 5.225 decisões monocráticas de ministros da Terceira e Quarta Turmas do Superior Tribunal de Justiça, o que confirma a natureza multitudinária da matéria. Isso sem considerar milhares de disputas sob o mesmo tema que tramitam perante os Tribunais de Justiça Estaduais.
A comprovação da mora é tida como condição da ação de busca e apreensão (Súmula 72 do Superior Tribunal de Justiça), sendo certo que o artigo 2º, §2º do Decreto-Lei nº 911/69 (alterado pela Lei nº 13.043/14), dispõe que a mora decorre do simples vencimento do prazo para pagamento e poderá ser comprovada por carta registrada com aviso de recebimento, pelo que seria dispensada a assinatura do próprio devedor.
Como se percebe, a norma em vigor defende a constituição da mora pelo vencimento, ou seja, não pagamento pontual da obrigação contratada pelo devedor. Nessa perspectiva, o objetivo da notificação é apenas de conferir ao devedor a oportunidade de purgar a mora antes do ajuizamento da ação, na qual o bem é retomado sem a prévia oitiva do devedor.
Esse posicionamento se coaduna com a jurisprudência majoritária do Superior Tribunal de Justiça. O tema já foi enfrentado no âmbito das duas Turmas que compõem a Segunda Seção. A 3ª Turma vem decidindo no sentido de que “o prévio encaminhamento de notificação ao endereço informado no contrato pelo Cartório de Títulos e Documentos é suficiente para a comprovação da mora, tornando-se desnecessário ao ajuizamento da ação de busca e apreensão que o credor fiduciário demonstre o efetivo recebimento da correspondência pela pessoa do devedor” (STJ, REsp 1.828.778/RS, relatora ministra Nancy Andrigh, j. 27.08.2019).
As decisões da 4ª Turma vão em linha com a tese de que “a demonstração da mora em alienação fiduciária ou leasing — para ensejar, respectivamente, o ajuizamento de ação de busca e apreensão ou de reintegração de posse — pode ser feita mediante protesto, por carta registrada expedida por intermédio do cartório de títulos ou documentos, ou por simples carta registrada com aviso de recebimento — em nenhuma hipótese, exige-se que a assinatura do aviso de recebimento seja do próprio destinatário” (STJ, REsp 1.292.182/SC, relator ministro Luis Felipe Salomão, j. 29.9.2016)
A jurisprudência, portanto, adota a “Teoria da Expedição”. A comprovação da mora independe de a notificação ser recebida pessoalmente pelo devedor; basta a prova de encaminhamento de carta com aviso de recebimento ao devedor, no endereço indicado no contrato. Até porque, seguindo a máxima da boa-fé que rege as relações contratuais, entende-se que cabe ao contratante manter atualizado o seu endereço perante o credor. Do contrário, imputar-se-ia ao credor o ônus descabido de realizar outras tentativas de comprovação da mora além daquela disposta em lei e dificultaria, ainda mais, o processo de recuperação do seu crédito. Vale dizer, se frustrado recebimento pessoal da notificação pelo devedor, isso se deve exclusivamente à sua própria desídia em deixar de manter seu endereço atualizado no contrato.
O julgamento se mostra sensível a todas as instituições que concedem crédito mediante contrato de alienação fiduciária de bens móveis. Afinal, se alterada a jurisprudência majoritária pela tese contrária no repetitivo, dificultar-se-á sobremaneira a efetividade da ação de busca e apreensão em caso de inadimplemento da obrigação de pagar pelo devedor fiduciante.
A respeito, vale lembrar que, segundo os dados do ranking Doing Business, promovido pelo Banco Mundial, o Brasil já possui hoje, infelizmente, uma das piores médias de recuperação de crédito no mundo. A taxa de recuperação de crédito estimada é de 18,2% para o Brasil, enquanto a média para a América Latina é de 31,2%. Isso tudo se deve as dificuldades encontradas pelo credor no sistema processual para impor ao devedor medidas realmente efetivas para cumprimento da sua obrigação de pagar.
A morosidade é um problema real, que seria em muito agravada pela tese de exigência da assinatura do devedor para recebimento da notificação. Do mesmo modo, cairia por terra aquela ideia de mitigação do risco pela garantia da alienação fiduciária, o que refletiria em peso a mais na composição do spread bancário. Isto é, ao final quem perde são os consumidores e tomadores de crédito em geral, que teriam maior dificuldade para negociar a taxa de juros nos contratos de mútuo em geral.
Com efeito, o julgamento do recurso repetitivo revela um risco ao sistema de crédito. Por outro lado, caso se confirme a jurisprudência majoritária do Superior Tribunal de Justiça, pela desnecessidade de assinatura do devedor na carta com aviso de recebimento, concede-se maior segurança e previsibilidade da operação para o mercado concedente de crédito, o que seria de todo salutar.
Por fim, é interessante notar que a tendência de julgamento a favor do mercado de crédito coaduna-se com a tese perfilhada pela jurisprudência no tocante ao envio de notificação ao devedor previamente à sua inscrição nos cadastros desabonadores. Neste caso, a notificação tem por efeito permitir que o devedor honre com a sua obrigação previamente à negativação de seu nome. E o Superior Tribunal de Justiça pacificou a orientação, por meio da Súmula nº 404, de que essa notificação sequer precisaria ser encaminhada por AR, tampouco, logo, constar a assinatura do devedor.
Gabriel de Orleans e Bragança é advogados e sócio do SOB Advogados.
Alfredo Cabrini Souza e Silva é advogado e sócio do SOB Advogados.
Fonte: Conjur
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